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Quadro clínico – Doença de Crohn

Varia de acordo com:

  • o caráter da doença: inflamatório, estenosante e/ou fistulizante
  • a localização

Assim um doente que apresenta

  • ileíte estenosante, poderá apresentar dor abdominal em cólica, distensão abdominal, alteração do hábito intestinal , náusea e vômitos;
  • ileíte inflamatória: dor na fossa ilíaca direita (FID), aumento do número de evacuações,

Se o processo inflamatório estiver localizado no cólon distal, poderá apresentar, aumento do número de evacuações com sangue e muco, lembrando um quadro de RCU.

As fístulas na DC podem comunicar a área acometida com estruturas vizinhas e o doente poderá apresentar fístula com

  • bexiga; sintomas de infecção urinária, perda de gases e fezes na micção:
  • pele: apresentará perda de fezes pela parede abdominal
  • vagina: saída de fezes pela vagina

Figura 1. Fístula entero entérica.

A fístula poderá comunicar alças de delgado entre si ou com o intestino grosso. Dependendo da altura da comunicação, o doente poderá apresentar quadro mais ou menos intenso de diarreia e perda ponderal. Fistulas entre intestino grosso e estomago são responsáveis por quadros importantes de desnutrição.

Em todas as situações, o paciente poderá apresentar anorexia, perda de peso, febre, e principalmente cansaço. Este pode se tornar debilitante e constituir em uma das queixas mais importantes do paciente.

 

Quadro clinico – Retocolite ulcerativa

 

Caracteriza-se por aumento do número de evacuações, com sangue e muco. A dor abdominal não é tão significativa quanto no caso da DC. O quadro de desnutrição em geral só ocorre no inicio da doença, estabilizando-se com o passar do tempo. Os sintomas gerais como mal-estar, cansaço, e outros são comuns às duas doenças.

 

 Exame físico

O paciente poderá apresentar-se febril, descorado, com sinais de desnutrição e desidratação. Verificar manifestações extra intestinais  e perianais . Pode apresentar ainda consequências de efeitos colaterais de medicamentos.

Um exame abdominal minucioso e exame proctológico completo são indispensáveis.

Figura 2 Paciente emagrecido, lesões orais, fistulas cutâneas

Diferença do quadro clinico entre jovens e idosos

Os sintomas gerais são os mesmos em jovens e idosos, assim como as opções de tratamento e indicações cirúrgicas, porém devemos nos atentar aos pacientes com idade mais avançada e outras comorbidades associadas para as possíveis interações medicamentosas.

Jovens: pacientes diagnosticados na infância ou na adolescência costumam apresentar doença mais agressiva, mais extensa, refratária ao tratamento, com mais sintomas sistêmicos e impacto no crescimento e desenvolvimento (perda de peso, anorexia, atraso no crescimento e puberdade tardia). Na RCU geralmente iniciam o quadro com uma pancolite. Nesses pacientes, há maior probabilidade de desenvolver câncer pela inflamação que persiste ao longo dos anos.

Idosos: a gravidade dos sintomas é menor, porém o número de internações e a mortalidade é maior em pacientes acima de 65 anos. Nessa faixa etária, os episódios de recorrência são menores, mas quando ocorrem são mais graves. Além da própria doença, temos que acrescentar a morbidade própria da faixa etária, por outras patologias.

Sugestões de leitura

  • del Val JH. Old-age inflammatory bowel disease onset: a different problem? World J Gastroenterol. 2011;17:2734-2739. [ texto completo ]
  • Fuller MK. Pediatric Inflammatory Bowel Disease: Special Considerations. Surg Clin North Am. 2019;99:1177-1183. [ texto completo ]
  • Rogler G. Is inflammatory bowel disease more severe when it appears at younger ages? Digestion. 2010;81:235-236. [ resumo ]

 

Obesidade

Nos últimos anos, observou-se aumento na incidência de sobrepeso e obesidade, assim como no número de pacientes com DII, e uma das justificativas é o estilo de vida ocidentalizado (sedentarismo e dieta rica em gorduras, açúcares e pobre em fibras).

Os obesos têm um risco maior de desenvolver doenças do trato gastrointestinal, incluindo as DII.

Geralmente as DII associam-se à perda de peso, baixo índice de massa corpórea (IMC) e desnutrição, porém alguns estudos recentes mostraram que a obesidade é fator de risco, principalmente para DC, e pode estar associada à progressão da doença, atividade clínica prolongada e resposta clínica prejudicada.

Além disso está relacionada a maior probabilidade de cirurgias e de doença penetrante na DC, e maior probabilidade de recidiva dos sintomas na RCU.

  • Bilski J, et al. Role of Obesity, Mesenteric Adipose Tissue, and Adipokines in Inflammatory Bowel Diseases. Biomolecules. 2019;9:780. [ texto completo ]
  • Emerenziani S, et al. Role of Overweight and Obesity in Gastrointestinal Disease. Nutrients. 2019;12:1 [ texto completo ]

Sugestões de leitura:

  • Bilski J, et al. Role of Obesity, Mesenteric Adipose Tissue, and Adipokines in Inflammatory Bowel Diseases. Biomolecules. 2019;9:780. [ texto completo ]
  • Emerenziani S, et al. Role of Overweight and Obesity in Gastrointestinal Disease. Nutrients. 2019;12:111 [ texto completo ]

 

Manifestações extra intestinais (MEI)

Até 50% dos pacientes com DII apresentam ao menos uma MEI ao longo da vida. Podem ser dependentes ou independentes da atividade inflamatória da doença.

Em 25% dos pacientes a MEI pode preceder o diagnóstico de DII.

É importante diferenciar MEI de uma patologia extra intestinal induzida por medicação.

Principais MEI: articular, cutânea, oftalmologica, hepatobiliar, pulmonar, urológicas, cardiovascular, coagulopatia, tireoidopatia.

  • Articulares: são as mais comuns e geralmente aparecem após o diagnóstico da DII.

Artrites e artralgias: podem ser periféricas e/ou axiais (sacroileíte, espondilite anquilosante).As artralgias periféricas, embora pareçam pouco importantes, podem impedir a carreira de um cirurgião (mãos), pianista (mãos) ou de uma bailarina (joelhos).

Figura 3. Edema articular

 

Caracterizam-se pelo acometimento de uma ou mais articulações. A artrite periférica é migratória e de grandes e pequenas articulações. A articulação acometida apresenta-se quente, dolorosa, edemaciada e os testes para artrite reumatoide apresentam-se negativos

 

Figura 4. Sacroileite e espondilite anquilosante

A espondilite anquilosante é rara, mais frequente em homens. Os sintomas caracterizam-se por dor e limitação dos movimentos. Não há sincronismo com a atividade da doença intestinal e a sintomatologia não se altera após tratamento cirúrgico da doença intestinal.

Osteomielite dos ossos pélvicos ocorre quando fístulas entéricas da região íleocolônica permitem que a flora anaeróbica intestinal chegue à região do psoas.

Figura 5 Fistula retal com coleção pre sacral

A osteoporose é manifestação importante, principalmente em mulheres. Lembrar que muitos pacientes são medicados com corticosteroides e que envelhecem ao longo do tempo, agravando os sintomas.

  • Cutâneas: podem se associar a atividade da doença.

Figura 6. Eritema nodoso

A manifestação dermatológica mais comum é o eritema nodoso. Caracteriza-se por lesões nodulares, múltiplas, dolorosas, hiperemiadas, localizadas preferencialmente na face anterior dos membros inferiores. Correlaciona-se com a exacerbação da doença intestinal e é mais frequente em mulheres.

Figura 7. Pioderma gangrenoso

Figura 8. Sequela de pioderma gangrenoso

O pioderma gangrenoso é manifestação grave e pouco comum. Inicia-se como acne, com eliminação de secreção com aspecto purulento, mas estéril, que rapidamente evolui para necrose ou gangrena da porção central da lesão. A lesão típica caracteriza-se por úlcera necrótica, dolorosa, com bordos elevados, circundada por área violácea que se dilui em eritema distalmente. Pode ocorrer em qualquer área do corpo. Correlaciona-se mais frequentemente com envolvimento colônico. Pela correlação com a exacerbação da doença e pela dificuldade de controle pode corroborar a indicação para tratamento cirúrgico da doença intestinal. A cicatrização das lesões deixa sequelas importantes. No caso da foto, houve perda de mobilidade da articulação impedindo a deambulação. Foram necessárias 3 operações para retirar a fibrose e mesmo assim a marcha permaneceu alterada.

Figura 9. Psoriase

A psoríase pode se apresentar como MEI e como reação adversa ao tratamento com Infliximabe (psoríase paradoxal), acometendo principalmente região palmo-plantar e couro cabeludo. Este diagnóstico diferencial é importante. A não identificação da psoríase palmo-plantar como efeito colateral do anti-TnF pode levar ao agravamento do quadro se não houver interrupção do medicamento.

Em mais da metade dos casos publicados, as lesões orais precedem o aparecimento de outras alterações no trato digestivo por meses ou anos. A lesão mais comum é a úlcera aftóide e sua biópsia pode demonstrar a presença de granulomas. A mucosa bucal apresenta-se com aspecto calcetado, com pregas lineares e hiperplásticas e úlceras. Os lábios podem estar endurados e edemaciados.

Figura 10. Ulcera aftoide e queilite

Manifestações inespecíficas, como halitose, disfagia, fissura oral, líquen plano, alterações do paladar podem ocorrer.

A síndrome de Sweet é uma dermatose de inicio súbito, com placas eritematosas ou nódulos, vesículas e pústulas dolorosas. A associação com doença de Crohn é pouco frequente.

Figura 11. Paciente com síndrome de Sweet

 

Figura 12. Doença de Crohn em região umbilical

Figura 13. DC de pele em região abdominal e coxa em paciente previamente submetida a proctocolectomia total

A doença de Crohn metastática (DCM) é condição rara, definida como lesão granulomatosa de pele não contígua com trato gastrointestinal. Em geral, aparece muitos anos após a instalação da doença de Crohn e para que seja definida como DCM é necessário que a histologia comprove processo inflamatório com granulomas não caseosos.

Medicamentos empregados no tratamento podem determinar lesões dermatológicas.

Figura 14. Herpes Zoster

Figura 15. Reação a mesalazina

Figura 16. Reação a sulfasalazina

Figura 17. Reação a corticosteróides

Figura 18. Paciente com psoríase palmo plantar

  • Oftalmológicas:

Entre as várias manifestações oculares descritas na doença de Crohn, a mais temida é a uveíte. É mais comum na colite de Crohn e em mulheres. Os sintomas consistem em dor, turvação da visão, fotofobia, cefaleia, os olhos ficam hiperemiados e o exame com lâmpada de fenda permite a identificação de precipitados na córnea. É importante frisar que a perda da visão pode ser mais importante para o paciente do que quadros esporádicos de diarreia.

Figura 19. Uveíte

  •  Hepatobiliar:

Colangite esclerosante primária (CEP). Incomum, é uma doença colestática crônica que causa estenoses nas vias biliares, e segue curso independente da DII, podendo progredir para cirrose com indicação para transplante hepático. Os pacientes com CEP têm maior risco de câncer colo retal (CCR) e colangiocarcinoma.

Figura 20 Colangite esclerosante primaria

Transplante hepático é o único tratamento eficaz. Tempo médio do diagnóstico da CEP para o transplante é de 20 a 25 anos, e o risco de rejeição é maior em quem tem DII, assim como a probabilidade de recidiva da CEP também é alta.

Outras manifestações hepatobiliares: Esteatose hepática, colelitíase (DC), trombose de veias hepática e porta.

  • Urologicas: nefrolitíase (mais comum), e as doenças renais parenquimatosas (raras – glomerulonefrite ou nefrite túbulo intersticial), fístulas do trato digestivo com ureter ou bexiga na doença de Crohn.

Figura 21 Fistula entero vesical

 

  • Doenças cardiovasculares: predisposição a aterosclerose prematura e doença arterial coronariana – infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC), isquemia mesentérica.
  • Doenças pulmonares: pneumonia intersticial, associação com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
  • Coagulopatias: Tromboembolismo venoso (TEV) (risco 2x maior quando doença em atividade)

Mais comuns: Tromboembolismo pulmonar (TEP) e Tromboembolismo venoso periférico (TVP).

  • Doenças da tireoide: Tireoidite de Hashimoto ou tireoidite autoimune, mais associada em pacientes com RCU e outros distúrbios autoimunes. Sem relação com a atividade da DII.
  • Outras MEI já foram descritas, porém mais raras.

Figura 22 DC em orelha

 

 

 Sugestões de leitura:

  • Bernstein CN, et al. The Impact of Inflammatory Bowel Disease in Canada 2018: Extra-intestinal Diseases in IBD. J Can Assoc Gastroenterol. 2019;2(Suppl 1):S73‐S80. [ resumo ]
  • Harbord M, et al, for the European Crohn’s and Colitis Organisation [ECCO], The First European Evidence-based Consensus on Extra-intestinal Manifestations in Inflammatory Bowel Disease, Journal of Crohn’s and Colitis, Volume 10, Issue 3, March 2016, Pages 239–254. [ texto completo ]
  • Hedin CRH, et al. The Pathogenesis of Extraintestinal Manifestations: Implications for IBD Research, Diagnosis, and Therapy. J Crohns Colitis. 2019;13:541‐554. [ resumo ]
  • Iravani S, et al. An update on treatment options for primary sclerosing cholangitis. Gastroenterol Hepatol Bed Bench. 2020;13:115‐124. [ texto completo ]
  • Kim YN, et al. Renal and Urinary Manifestations of Inflammatory Bowel Disease. Korean J Gastroenterol. 2019;73):260‐268. [ resumo ]
  • Kim YS, et al. Musculoskeletal Manifestation in Inflammatory Bowel Disease. Korean J Gastroenterol. 2019;73:276‐284. [ resumo ]
  • Lauritano D, et al. Prevalence of Oral Lesions and Correlation with Intestinal Symptoms of Inflammatory Bowel Disease: A Systematic Review. Diagnostics (Basel). 2019;9:77. Published 2019 Jul 15. [ texto completo ]
  • Ribaldone DG, et al. Risk factors of suspected spondyloarthritis among inflammatory bowel disease patients. Scand J Gastroenterol. 2019;54:1233‐1236. [ resumo ]
  • Shizuma T. Concomitant Thyroid Disorders and Inflammatory Bowel Disease: A Literature Review. Biomed Res Int. 2016;2016:5187061. [ texto completo ]
  • Thiebault H, et al. Paradoxical articular manifestations in patients with inflammatory bowel diseases treated with infliximab. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2016;28:876‐881. [ resumo ]

 

 

 DC perianal

A DC perianal representa um fenótipo grave da doença e inclui plicoma inflamatório, fistula, abscesso, fissura, úlcera, estenose e incontinência anal. Também pode ocorrer doença hemorroidária associada. Acomete mais comumente portadores de doença colônica e retal e em pacientes com diagnóstico em idade jovem.

Ao quadro clínico geralmente se associam dor, sangramento, drenagem de secreção purulenta e incontinência anal.

A avaliação diagnóstica é feita com anamnese, exame físico anorretal, colonoscopia e estudo radiológico do intestino delgado. Eventualmente, em caso de dor importante, o exame físico deve ser feito sob sedação. Em casos específicos de abscessos e fístulas, a RNM e o USER podem ser solicitados.

  1. Plicomas inflamatórios

Manifestação comum, podem ser únicos ou múltiplos. Geralmente se associam a linfedema, fístulas ou fissuras. Causam dor e dificuldade de higiene.

Figura 23. Plicomas inflamatórias

 

  1. Fístulas anorretais

Figura 24. Fistula perianal

É a complicação mais comum da DC perianal.  A apresentação tende a ser mais oligossintomática com eventual drenagem de conteúdo mucoso ou purulento. Podem ser simples ou complexas

  • Simples: Interesfincteriana ou transesfincteriana baixa e com trajeto curto e único;
  • Complexas: Múltiplos orifícios internos e/ou externos

O diagnóstico é feito clinicamente. Entretanto, exames radiológicos (RNM e US) podem ser úteis em excluir presença de abscessos, estudar a relação com o complexo esfincteriano e planejar o melhor tratamento.

  1. Abscessos anorretais

Figura 25. Abscesso anorretal

Podem ocorrer tanto devido a obstrução do trajeto fistuloso anorretal quanto à infecção criptoglandular. Os sintomas mais comuns são dor anal constante, febre e calafrios.

Em casos de abscessos perianais e isquiorretais o diagnóstico é facilmente estabelecido com o exame físico através da presença de eritema e edema. Entretanto, abscessos interesfincterianos e supraelevadores podem necessitar de RNM para elucidação diagnóstica.

  1. Fissuras

Figura 26. Fissura anorretal 

Podem ser típicas, na linha média anterior ou posterior, e atípicas, nos quadrantes laterais. Estas são mais frequentes. Usualmente são múltiplas e com base granulada com bordos edemaciados. Muitas vezes as fissuras são indolores. Há perda de secreção, prurido e sangramento.

  1. Úlceras

Podem ser extensas, profundas e múltiplas.

Figura 27. Ulceras anorretais

  1. Estenose anal

A inflamação crônica pode levar a fibrose seguida de estenose. Sintomas típicos são dificuldade evacuatória, tenesmo, incontinência e urgência evacuatória.

  1. Incontinência anal

Frequente em doença avançada, na presença de múltiplos trajetos fistulosos, abscessos com sepse local, úlceras profundas com destruição de tecido ou em decorrência de operações mal conduzidas.

Figura 28. Destruição do esfincter

  1. Hemorroidas

Os pacientes com DC podem desenvolver quadro de doença hemorroidária. Entretanto não é comum e o tratamento conservador deve ser o tratamento de escolha.

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