Métodos diagnósticos

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Laboratório

Não existem testes laboratoriais para o diagnóstico de DII. Os exames laboratoriais servem apenas para avaliação do estado nutricional, de distúrbios hidroeletrolíticos e metabólicos associados. Antes de iniciar o tratamento, é interessante a avaliação laboratorial do paciente para detectar alterações hepáticas, renais, tireoidianas, deficiências vitamínicas e distúrbios de coagulação.

Vários marcadores sorológicos tem sido descritos, mas até o momento nenhum alcançou o objetivo proposto de compreender efetivamente a heterogeneidade da DII e sua historia natural.

Atualmente, a cicatrização de mucosa tem sido o alvo do tratamento. E o método mais eficaz de monitorização seria a colonoscopia. Porém é procedimento invasivo, o preparo é desagradável, o custo é alto e demanda perda de tempo. A calprotectina fecal tem sido amplamente utilizada com a finalidade de avaliar a atividade da doença, evitando procedimentos endoscópicos de repetição. Apresenta várias vantagens clínicas, como estabilidade em temperatura ambiente, resiste a degradação e tem distribuição homogênea nas fezes. Estudo recente sugere que a calprotectina fecal possa ser útil também para predizer relapso clinico em pacientes adultos com RCU em remissão, com a vantagem de ser simples e não invasiva.

Sugestão de leitura:

Microbiota

Há consenso de que a microbiota intestinal tenha uma participação no desenvolvimento das DII. Pode-se realizar o sequenciamento genético do microbioma intestinal.  Este exame pode mostrar disbiose na DII.  Sua utilidade prática ainda não foi comprovada.

Sugestão de leitura:

Radiologia

  • Radiografia simples de abdome: Fornece poucas informações. Na urgência, pode permitir o diagnóstico de obstrução intestinal, megacólon tóxico e da perfuração intestinal. O cólon transverso no megacólon tóxico exibe diâmetro superior a 5,5 centímetros, ausência das haustrações e contorno irregular da parede colônica.
  •  Enema opaco: Pouco utilizado atualmente. Avalia intestino grosso podendo mostrar extensão da doença, presença de ulceras, áreas de estenose, fístulas, perda de haustrações, microcólon. Um filete de bário preenchendo um segmento de alça intestinal muito estenosado é achado característico da doença de Crohn.

Figura 29. Aumento do espaço retro retal.


Figura 30. Retocolite (colón com perda de haustrações).

  •         Transito intestinal: Avalia intestino delgado. Consiste na ingestão de contraste baritado e sequencia de radiografias para mostrar a progressão do contraste.  Pode fornecer as seguintes informações: velocidade do trânsito intestinal, espessamento e deformidade da parede intestinal, estenoses com ou sem dilatação a montante, trajetos fistulosos. A preferência pelo lado mesentérico do intestino pela doença de Crohn produz uma distribuição assimétrica da imagem radiológica. Esta distensão assimétrica produz o aspecto de dilatação sacular ou de pseudo-divertículo. O aspecto de separação anormal das alças intestinais é produzido em consequência das alterações do tecido adiposo mesenterial, formação de abscesso e reação inflamatória difusa.

Figura 33. DC – fistula entero cólica

  • Fistulografia: Exame complementar para confirmação da presença do trajeto fistuloso, utilizando RX simples de abdome. Uma sonda é introduzida no orifício externo e injetado contraste para visualização do trajeto fistuloso.

Figura 34. Fistula complexa

  • Tomografia computadorizada: Pode mostrar as mesmas alterações que os exames anteriores, além de avaliar outras estruturas abdominais. Permite procedimento terapêutico, como, punção de coleções. Desvantagem: radiação

 

Figura 35. Espessamento de parede

 

  • Entero Tomografia computadorizada: Este exame requer ingestão de contraste oral negativo ou neutro, tais como, água, lactulose, manitol, metil celulose ou polietileno glicol. Fornece dados quanto a doença de Crohn intra e extra-intestinal. Os sinais principais são: espessamento de parede intestinal > 5mm;  realce mucoso da área doente em relação ao intestino normal; sinal do pente representado pelos vasa reta dilatados pelo processo inflamatório; densificação da gordura; aumento dos linfonodos regionais> 5mm; redução de calibre com ou sem distensão a montante; fistula definida como imagem linear com realce periférico conectando duas estruturas anatômicas, com ou sem conteúdo aéreo ou liquido.

No entanto, envolve exposição a radiação e estes doentes podem necessitar de vários exames ao longo da vida. Doses superiores a 100mSV, particularmente em pacientes jovens, são motivo de preocupação com o risco de câncer.

  • Ressonância nuclear magnética (RNM): Exame sem emissão de radiação ionizante com boa acurácia para visualizar todos os aspectos ja citados na Tomografia, em especial, melhor visualização de fístulas nos casos de doença perianal.
  • EnteroRM: A entero ressonância magnética (ERM) fornece dados semelhantes aos obtidos pela ETC, sendo mais efetivo na avaliação da região pélvica. Necessita da ingestão de contraste da mesma forma que a ETC. É exame mais demorado e mais caro. Pacientes claustrofóbicos podem necessitar de sedação. A grande vantagem é a ausência de radiação. Requer administração de gadolineo. Este pode se depositar em várias estruturas como tálamo e não se sabe ainda a significância deste fato a longo prazo.
  • Ultrassonografia: Não requer preparação, é método largamente disponível, operador dependente, mais demorado. Pode demonstrar espessamento e rigidez de alças intestinais e abscessos. Estuda-se a possibilidade de utilizar contraste para determinar a atividade da doença.
  • Elastografia por US: O objetivo do exame seria permitir o diagnóstico diferencial entre inflamação e fibrose.

Sugestões de leitura:

  • Chen Y J, et al. Real-Time Shear Wave Ultrasound Elastography Differentiates Fibrotic from Inflammatory Strictures in Patients with Crohn’s Disease. Inflamm Bowel Dis. 2018 ; 24: 2183–2190 [ texto completo ]
  • Kavanagh RG, et al. Low-Dose Computed Tomography for the Optimization of Radiation Dose Exposure in Patients with Crohn’s Disease. Gastroenterol Res Pract.  2018; 2018: 1768716.  [ texto completo ]
  • Stênio Burlin et al. Using computed tomography enterography to evaluate patients with Crohn’s disease: what impact does examiner experience have on the reproducibility of the method? Radiol Bras. 2017; 50: 13–18. [ texto completo]
  • Taylor AS et al. Diagnostic accuracy of magnetic resonance enterography and small bowel ultrasound for the extent and activity of newly diagnosed and relapsed Crohn’s disease (METRIC): a multicentre trial. Lancet Gastroenterol Hepatol. 2018 ; 3: 548–558.  [ texto completo ]

Endoscópico

Colonoscopia 

A colonoscopia permite avaliação de todo o intestino grosso e íleo terminal , além de coleta de material para estudo anatomopatológico. É útil para diagnóstico, monitorização de resposta terapêutica e rastreamento de neoplasias. Permite ainda procedimento terapêutico, como dilatação de áreas de estenose.

Podem ser encontrados os seguintes aspectos na doença de Crohn: Reto geralmente preservado, lesões salteadas, úlceras aftóides, longitudinais, coalescentes, calcetamento, pólipos inflamatórios, pontes mucosas, estenoses, orifícios fistulosos.

Figura 36. Ulcera longitudinal

Figura 37. Ponte mucosa

Figura 38. Oricificio fistuloso

Na RCU os aspectos mais frequentes são: reto geralmente doente, lesão com gradiente sendo mais intensa no reto e com intensidade decrescente em direção ao ceco, edema, friabilidade, ulceras rasas, apagamento de vascularização submucosa, pólipos inflamatórios.

Figura 39. Aspecto endoscópico

Endoscopia de alta resolução, filtros digitais , cromo endoscopia, endoscopia confocal são avanços que permitem observação de detalhes e detecção de neoplasia intraepitelial.

Endoscopia Digestiva Alta (EDA)

A EDA é mandatória na população pediátrica com suspeita de parada do crescimento e suspeita de DII para diagnóstico diferencial entre DC e RCU e para confirmação de diagnóstico de DC.  Em adultos, deve-se realizar o exame na presença de quadros de dispepsia e vômitos e em pacientes com suspeita de doença celíaca concomitante. Achados sugestivos de DC são edema, eritema, erosões e espessamento das pregas mucosas. Não se deve esquecer que as prevalências de gastrite e duodenite são maiores do que as de DC de TGI alto.

Capsula endoscópica

A capsula endoscópica pode ser útil como método diagnóstico para doença de Crohn.  Deve ser realizada após exclusão de áreas de estenose ou fístulas por outros métodos diagnósticos pelo risco de retenção da cápsula (por mais de 2semanas) ou perfuração.

Figura 40. Capsula endoscópica retida sem causar obstrução

 

Endoscopia de duplo balão

É método mais invasivo, porém permite obtenção de biópsias e dilatação de estenoses.

Retossigmoidoscopia

A retossigmoidoscopia é parte do exame proctológico e deve ser realizada em todos os pacientes.

A inspeção da região perianal pode demonstrar a presença de anus entreaberto, pregas perianais edemaciadas, dermatite, plicomas inflamatórios, fissuras únicas ou múltiplas, fístulas únicas ou múltiplas, lesões ulceradas, abscessos , destruição de esfíncter. Ao toque, avalia-se a tonicidade esfincteriana e presença ou não de irregularidade da mucosa.

A retoscopia geralmente demonstra padrão vascular normal na doença de Crohn e friabilidade, edema, hiperemia na retocolite ulcerativa.. As biópsias realizadas durante o exame ajudam no esclarecimento diagnóstico. Nos casos mais graves, há tubulização do reto e mesmo estenose impedindo a realização do exame.

Exame ginecológico

Importante nos casos de suspeita de fistula para o aparelho genital feminino

As fístulas ano-vaginais são as mais comuns , sendo normalmente baixas e localizadas próximas à fúrcula vaginal e trans-esfinctéricas.  As fístulas reto-vaginais são pouco comuns podendo ser secundárias à inflamação transmural do reto. A presença deste tipo de fístula pode induzir um falso diagnóstico de incontinência fecal.

Figura 41. Manifestações perineais (Acometimento de grandes e pequenos lábios)

 

Figura 42. Acometimento de perineal e raiz de coxa

Sugestões de leitura:

  • Annese V, et al. European evidence based consensus for endoscopy in inflammatory bowel disease. J Crohns Colitis. 2013;7:982-1018. [ texto completo ]
  • Feuerstein JD, Cheifetz AS. Crohn Disease: Epidemiology, Diagnosis, and Management. Mayo Clin Proc. 2017;92:1088-1103. [ texto completo ]
  • Flynn S, Eisenstein S. Inflammatory Bowel Disease Presentation and Diagnosis. Surg Clin North Am. 2019;99:1051-1062. [ texto completo ]

Diagnóstico histopatológico

O diagnóstico das DII é baseado na correlação de dados clínicos, radiológicos, endoscópicos e anatomopatológicos, uma vez que não há achados patognomonicos que possam individualizar estas patologias.

 

Doença de Crohn

Macroscopia

Exame externo: Podem ser vistas estenoses, aderência entre alças, orifícios fistulosos.

Exame interno: úlceras serpiginosas, aftóides, acometimento transmural da parede, calcetamento, pseudopolipos.

Figura 43 Espessamento de meso. Envelopamento do segmento doente pelo tecido gorduroso

Figura 44.  Gânglios aumentados

Figura 45. Trajetos fislulosos

Figura 46. Ulcera longitudinal

Figura 47. Lesões salteadas de Colon

Figura 48. Lesões salteadas de Delgado

Microscopia: Áreas salteadas.  Heterogeneidade do infiltrado linfoplasmocitário. Granulomas. Agregados linfoides na submucosa. Hipertrofia de nervos.

Figura 49. Granuloma

Figura 50. Fissura transmural

 

Retocolite Ulcerativa

Macroscopia

Exame externo: normal exceto em megacólon tóxico ou associação com neoplasia

Exame interno:  transição entre área doente e normal é abrupta. Na área doente as lesões são continuas. Encontram-se úlceras, ppseudopolipos e pólipos inflamatórios. Perda total da mucosa em casos muito graves. Cólon encurtado sem haustrações.

 

Figura 51. Acometimento continuo

Figura 52. Gradiente de acometimento

Figura 53. Polipos inflamatorios

Figura 54. Pancolite

Microscopia; inflamação restrita a mucosa, ocasionalmente a submucosa, criptite e atrofia de vilos, abscessos de cripta.

Figura 55. Ulceração superficial

Sugestões de leitura:

  • Cui Y, et al. Microscopic features of small bowel mucosa of patients with Crohn’s disease. BMC Gastroenterol. 2019;19:232. [ texto completo ]
  • Gajendran M, et al. A comprehensive review and update on ulcerative colitis. Dis Mon. 2019;65:100851. [ resumo ]

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